A problemática dos incêndios e
a monocultura do eucalipto
Houve 2,5 milhões de hectares ardidos
entre 1990 e 2012.
Figura 5 . Evolução das áreas de
floresta, decomposta por tipos de ocupação. (ICNF, 2013).
Figura 7 . Percentagem de área
ardida por espécie florestal em 2012, adaptado do Relatório de Áreas Ardidas e
Incêndios Florestais em Portugal Continental (ICNF, 2012).
Note-se que as áreas mais ardidas foram as
florestas de produção de eucalipto e pinheiro-bravo, na zona centro e norte do
País.
Também é relevante dizer que apenas 5,8% da
floresta está sob jurisdição do ICNF (matas
nacionais e perímetros florestais) e que a área de floresta
integrada no Sistema Nacional de Áreas de Conservação, corresponde a 18,7% da
floresta de Portugal continental.” (ICNF, 2013).
As áreas florestais tiveram
uma diminuição de ‐4,6%, 150 611 ha perdidos no espaço
de 15 anos, refletidos no aumento de áreas de mato e pastagens - 85% e
uso urbano. Esta alteração de uso pode ter ocorrido na sequência da incidência
grave de fogos florestais, mais de 2,5 milhões de hectares ardidos
entre 1990 e 2012, e “ocorrência de doenças como o Nemátodo
da Madeira do Pinheiro que tem afetado severamente o pinhal‐bravo nacional,
obrigando à realização de cortes excecionais, por imposição dos regulamentos fitossanitários.
Nenhum outro país da Europa esteve sujeito a
este nível de perturbações” (ICNF, 2013, pp8).
Os incêndios são um dos graves problemas da
monocultura de eucalipto, tendo repercussões ambientais, sociais e económicas
muito graves. Segundo Damasceno e Silva (2007), existem 630 causas diferentes
para os incêndios, que se agrupam da seguinte forma:
uso do fogo (queimas,
renovação de pastagens, etc.),
acidentais,
estruturais (mudança
do uso do solo, etc.),
incendiarismo
(piromania, conflitos entre vizinhos, , etc.),
naturais (raios) e
indeterminadas.
Nas causas estruturais encontra-se
identificada a “pressão para venda de material lenhoso – Incêndio provocado com
o objetivo da desvalorização do material lenhoso ou falta de matéria-prima”
(Damasceno e Silva (2007), pp.50).
O eucalipto depois de incendiado, mantém o
cerne branco, adequado ainda para o fabrico de pasta de papel, uma vez que é
muito rico em água. O madeireiro adquire esta matéria-prima por um preço menor
no produtor, e consegue vendê-la às celuloses pelo preço de matéra verde, isto
porque as celuloses pagam ao peso pelos troncos já descascados e não
atendem à sua origem.
Assim, os madeireiros pagam ao
proprietário por um eucaliptal ardido com 7 anos cerca de 100 Euros/ha. Se
fosse verde teriam de pagar 2000/ha.
As celuloses pagam ao
madeireiro o mesmo pela madeira descascada, seja qual for a sua origem (verde
ou queimada), o lucro é então enorme. Compensa. Para além disso, com o
subcoberto ardido, é muito mais fácil de tirar os troncos, que também estão
mais leves sem a parte aérea (folhas) e convém que não sejam muito pesados: um
tronco com 20 cms de diâmetro está preto por fora mas branco por dentro e já dá
para a celulose.
Este mistério dos incêndios sem causa
aparente e que deflagram antes da trovoada, torna-se então bastante
claro.
Conseguimos rapidamente perceber porque é que
os incêndios na mesma zona de floresta de produção são cíclicos, de 7 em 7
anos, bem planeados e com várias frentes, em que vai tudo, por vezes casas e
pessoas...
E o eucalipto é a única espécies que dá para
isso, porque consegue mesmo juvenil e queimado apresentar o cerne branco e ser
vendido para a celulose (dado o seu elevado consumo/capacidade de retenção de
água).
Em Espanha no período entre 1998 e 2003 as
causas apuradas para os incêndios florestais foram:
Figura
8 . Causas
dos incêndios entre 1998 e 2003 em Espanha, adaptado de APAS (2004)
Para Portugal a grande fatia das causas
são “indeterminadas”…nestes relatórios nunca se lê a “desvalorização do
material lenhoso” (?):
Fonte (ANPC, 2012).
O valor médio registado da área florestal
ardida foi de 35% em Portugal no período 2000-2009 sendo para outros países do
Sul da Europa como a Espanha (com 29%), a Itália (19%), a Grécia (11%) e a
França (5%) valores inferiores (BES/ESR, 2011) e relacionemos
estes valores com a área/desenvolvimento agrícola destes países.
Foram gastos pela Proteção Civil portuguesa
em 2012 cerca de 74,2 M€ no combate direto aos incêndios florestais, mais 10,3%
do que o valor gasto em 2011 (ANPC, 2012).
E após um incêndio os
proprietários tornam a plantar o eucaliptal, sempre à espera do tal lucro
“prometido” (qual euro-milhões), mas quando os eucaliptos começam a parecer
gente, passa novamente o fogo, e …mais prejuízo…e insistem no erro, até
que um dia percebem, desistem e abandonam o terreno de vez.
Ultimamente diz-se que ardem mais matos
que floresta de produção, pois, mas esquecem-se que a floresta (“povoamentos”
já ardeu….tendo sido o seu expoente máximo em 2003 e 2005:
A gestão
ineficaz ou inexistente das parcelas florestais leva à proliferação mais fácil
dos fogos florestais, o que origina uma menor diversidade florística e
faunística, a deterioração dos solos por arrastamento, a deslocação ou perda de
comunidades animais e vegetais, que se reflete numa grave recessão biótica.
O alastramento da mancha de eucalipto traz
então consequências a vários níveis, já não falemos da perda de fertilidade do
solo, não só devido às espécie australiana altamente competitiva e melhorada
pelo homem, mas tb devido às praticas culturais do eucalipto que implicam a
erosão acelerada do solo, falemos tb do abandono agrícola, e da substituição dos terrenos agrícolas por
floresta monocultural, e o seu alastramento para o vale onde os terrenos são
mais férteis, a perda da biodiversidade, e o impactos sociais, como o êxodo
rural para as cidades/emigração e a perda dos saberes agrícolas e transmissão
de conhecimentos de Pai para Filho, do “know how” e de toda a cultura, tradição
e modo de vida associados.
No entanto, a
perda de biodiversidade gradual e as emissões de gases de efeito de estufa
(GEE) para a atmosfera, contribuindo para o aquecimento global, são as duas principais
consequências ambientais dos fogos cíclicos.
Mas qual a
solução?
Tal como as leis
desde 88 que começaram mansamente e cada vez foram mais permissivas e coerentes
com as direções da União Europeia (principal fonte de subsídios), até se poder
eucaliptalizar a RAN, a REN e parcelas inferiores a 2ha, sem autorização, penso
que uma solução para toda esta problemática passa também pelas leis, mas por
leis com fiscalização, deixo a ideia:
- As indústrias
de celuloses deverão pagar uma taxa ao estado pela
pégada de carbono/ecológica da madeira que recebem com
origem nos incêndios.
Para tal terão
de receber os troncos com casca, de forma a saber a sua proveniência (verde ou
queimada). Terão então de pagar ao madeireiro muito menos pelos troncos ardidos
relativamente ao “verdes”, de forma a não dar lucro vender madeira queimada. Ao
estado pagariam o restante pelos troncos queimados que recebem, que por sua vez
investiria em apoios à prevenção e ao combate.
A outra lei é
obrigar à descontinuidade florestal, ao ordenamento e à proteção de zonas
agrícolas, ecológicas, de vale tal como as primeiras leis que surgiram,
nomeadamente a Portaria
n.º 528/89, de 11 de Julho. Mas como estas leis de
ordenamento são complicadas e difíceis de aplicar, defenderia uma que:
- obrigue todos
os proprietários a poderem plantar apenas metade da sua propriedade
(qualquer que seja a sua área) com eucalipto/pinheiro, e o resto com pastagem,
agricultura, ou floresta de proteção (sobreiro, carvalho, castanheiro, etc).
Estas são as
grandes ideias que gostaria de transmitir, que os incêndios em Portugal são
postos e com objetivos muito específicos e se não se fizer nada o ciclo dos
7 anos vai continuar, por mais que se limpem os matos e que se fação leis de
prevenção e melhore o combate. O problema tem de ser atacado na raíz: não
pode haver lucro nos incêndios. Só assim os incêndios em Portugal poderiam
ser reduzidos às causas “conhecidas” : negligência, vingança, loucura, etc.
Enquadramento legislativo
As primeiras
leis que surgiram para tentar ordenar e regulamentar as plantações de
eucalipto, apresentavam um carácter bastante conservativo, uma vez que se
assistia a uma mudança muito acelarada no uso do solo e as populações,
juntamente com os movimentos associativos, tiveram atitudes adversas e
ativistas.
O DL
n.º 175/88, de 17 de Maio, foi a primeira lei que surgiu
para regular as plantações de eucalipto. Obrigava a que os projetos com mais de
350 ha fossem precedidos de um Estudo de Impacte Ambiental, e de um parecer da
Câmara Municipal respetiva. Todos os projetos com mais de 50 ha eram sujeitos à
aprovação prévia da Direção-Geral de Florestas, e impedia a ocupação de zonas
de montado e a introdução, pé a pé, sob coberto, de povoamentos de outras
espécies.
Tal como
referimos anteriormente, nesta altura assistia-se à substituição do pinhal
bravo pelo eucalipto mas também áreas de sobreiro e de carvalho português na
zona de Coimbra (floresta autóctone).
A segunda
portaria que regulou a plantação monocultural de eucalipto é ainda mais
conservativa. Assim, a Portaria
n.º 528/89, de 11 de Julho, elenca todos os
condicionalismos à plantação de eucaliptos em áreas de montado, zonas percorridas por incêndios, na RAN e REN, perto
de solos cultivados, nascentes, linhas de água e prédios
urbanos e em terrenos declivosos.
Fixa também
medidas de proteção, como a manutenção de corredores
ecológicos, de faixas de árvores folhosas (mais
resistentes ao fogo e com poder regenerador) e de núcleos de espécies
“tradicionais”.
A questão da
sustentabilidade no uso da floresta são preocupações expressas na legislação
subsequente. A floresta sustentável é aquela cuja exploração se faz sem
comprometer as suas funções ecológicas, económicas e sociais atuais e no
futuro. Como é que isto se consegue? Foram criados três instrumentos legais com
linhas de ação neste sentido:
A
Lei de Bases de Política Florestal (Lei n.º 33/96, de 17 de Agosto)
traçou as diretrizes da gestão da floresta em Portugal. Previa a elaboração de
planos regionais de ordenamento florestal (PROF).
O
Plano de Desenvolvimento Sustentável da Floresta Portuguesa (R. C. Ministros n.º
27/99,
de 18 de Março), que faz um diagnóstico e estabelece metas estratégicas.
O
Plano de Ação para o setor florestal (R. C. Ministros n.º 64
de 2003,
de 30 de Abril), que pretende por em prática o plano (2), reconhecendo os
atrasos de impelmentação e calanderizando novas ações.
Embora as
primeiras leis fossem conservativas, com a crescente plantação de eucaliptos,
as orientações europeias e a subsidiação da actividade, e a importância
económica crescente desta monocultura, a legislação adequou-se. Com o DL nº
73/2009, de 31 de Março, que instituiu um novo Regime
Jurídico da Reserva Agrícola Nacional (RAN), que contraria claramente a
anterior Portaria
n.º 235/75, de 7 de Abril, quer em objetivos quer
normativamente, a atividade florestal passa a ser considerada atividade
agrícola, não carecendo, assim, de parecer prévio da Entidade Regional da
Reserva Agrícola de Lisboa e Vale do Tejo, entendimento expresso em vários
artigos, tais como:
no seu preâmbulo, no
parágrafo 7°: "face ao carácter não destrutivo, nem irreversível do uso
florestal dos solos e considerando as orientações
da União Europeia em torno do conceito de florestação das terras agrícolas,
o ( ..) decreto-lei considera a atividade florestal como integrante da
atividade agrícola.”;
na própria definição
de atividade agrícola presente na alínea a) do art. 3º, que considera
"Atividade agrícola” a atividade económica do sector primário que tem por
fim a produção de bens de origem vegetal, lenhosa ou não lenhosa, ou animal
utilizáveis como matérias-primas de diversas indústrias ou que chegam ao
consumidor sem qualquer transformação.”;
finalmente, no art.
49º, alinea b), que vem revogar as alineas b) e d) do artigo 1.º da Portaria n.º 528/89, de 11 de Julho, isto
é, entre outros, a interdição de plantação em RAN de espécies florestais de
crescimento rápido.
O parecer de um parceiro importante, a
Confederação Nacional da Agricultura (CNA, 2009) sobre o novo
regime jurídico da RAN refere que: “Sendo verdade que as Explorações
Agro-Florestais de tipo familiar e a Floresta de uso múltiplo se integram no
conceito – e garantem uma prática com sustentabilidade geral - a alteração da
definição de “actividade agrícola”, vinda de quem vem e no contexto em que
surge, tende para abrir as portas da RAN à produção
florestal intensiva, como é o caso do eucalipto e que, comprovadamente e ao
contrário do que diz o preâmbulo, degradam os solos, podendo afectar
irreversivelmente o seu uso. Aliás, esta é uma velha reivindicação das
celuloses para a qual o Ministro da Agricultura já tinha manifestado a sua
abertura e que deverá servir como moeda de troca aos grandes investimentos
efectuados por estas empresas (apesar de já terem beneficiado de fortes
financiamentos públicos), como foi o caso da nova unidade industrial da
PORTUCEL, em Setúbal, e que foi anunciado na altura como o segundo maior
investimento a seguir à Autoeuropa.
Aliás, tudo se conjuga, até no referido no
próprio Artigo 5º do diploma em questão, quando diz que a RAN se articula com o
quadro estratégico e normativo estabelecido pelo ProDeR, PNPOT e, como não
poderia deixar de ser, com a Estratégia Nacional para as Florestas, publicada
em Setembro de 2006.
Ora, este “grande” documento que é a
Estratégia Nacional para as Florestas, o que veio definir foi o caminho da
especialização do território em duas grandes áreas:- a da floresta
multifuncional ou floresta de uso múltiplo e a da floresta intensiva, estabelecendo
que as áreas de floresta intensiva (eucalipto e pinheiro), no futuro, serão as
áreas de menor risco de desertificação ou, por outras palavras, de
produtividade superior, logo, mais “lucrativas” que as áreas de RAN. Porém, e
tal como a experiência já comprova, o efeito
sócio-económico será exactamente o contrário.
A produção florestal industrial e intensiva
“expulsa” outras actividades agro-florestais, logo contribui para “expulsar” as populações! No limite, passa-se a
poder colocar eucaliptos nas terras onde se fizeram, ou onde se estão a fazer
investimentos públicos em regadio, apenas faltando, para completar o cenário
perfeito, que estas espécies sejam elegíveis para receber ajudas do Regime de
Pagamento Único – RPU, uma vez que já são consideradas actividade agrícola.
(...)
Na opinião da CNA, trata-se, tão somente, do
aproveitamento da ruína da agricultura nacional para abrir as portas deste
recurso escasso, que é a RAN, às celuloses e a certas actividades turísticas de
luxo, para que, assim, meia dúzia de grandes empresas tenha lucros
(especulativos) à custa da degradação deste património natural e da obtenção de
matéria-prima a baixo custo.
A CNA considera que a RAN, enquanto recurso
de todos os Portugueses e que compreende todos os solos com aptidão agrícola,
deverá continuar a ser reservada e a estar disponível, como o próprio nome
indica, com toda a prioridade para a actividade agrícola na verdadeira acepção
da palavra, pois só assim entendemos estar a ser potenciado o seu uso
sócio-económico e, ao mesmo tempo, a sua sustentabilidade ambiental e social.”
(…)
A CNA considera, ainda, que este diploma está
desfasado da crise ambiental que atravessamos, nomeadamente no que diz respeito
às alterações climáticas, crise que deverá
conduzir a uma aceleração da degradação/erosão dos solos, motivada por secas
prolongadas e concentração do período das chuvas.
A CNA considera igualmente, que a crise
alimentar mundial que teve o seu pico em 2008, em resultado principalmente da
especulação dos preços sobre os produtos alimentares, deveria conduzir a outras
medidas que não fossem a de ocupar os solos agrícolas com produções florestais
intensivas, sobretudo num país com um défice agro-alimentar de cerca de 75%.”
Apresentamos este parecer pois as questões
levantadas pela Confederação Nacional da Agricultura extravasam bastante os
valores meramente económicos, reforçando os ambientais e os sociais.
Finalmente, o novo regime jurídico aplicável
às ações de arborização e rearborização foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º
96/2013, de 19 de Julho. Determina a
aplicação do mecanismo de comunicação prévia até 2 hectares de área a plantar,
situação que se aplica à maior parte das propriedades a norte do rio Tejo,
considerando alguns grupos de ONGA’s e de produtores florestais que fica
facilitada a plantação de eucaliptos, com o aumento das monoculturas, e, ao
invés, torna-se mais complicada a plantação de sobreiros, carvalhos,
cerejeiras, freixos e outras árvores autóctones com elevado valor, as quais
agora vão necessitar de comunicação prévia e, nas áreas acima dos 2 hectares,
necessitam de autorização.
Segundo o comunicado à imprensa de outro
parceiro importante, a Liga para a Proteção da Natureza (LPN, 2012) o novo regime
jurídico veio facilitar todo o processo de plantações de eucalipto, mesmo em
solos de Rede Ecológica Nacional (REN): “A recente proposta (...) de
alteração da legislação sobre Arborização e Rearborização abre a porta à
liberalização das plantações de eucalipto (…). Sob a égide da simplificação dos
processos de autorização e da eliminação de redundâncias legais e
institucionais, a proposta da ex-AFN, inédita em qualquer país civilizado,
propõe a desregulação e desordenamento da actividade florestal. Os impactes
irreversíveis da implementação de tal legislação não são tidos em conta,
nomeadamente alguns já observáveis que contribuíram para os piores índices de
fogos florestais da Europa, a perda de áreas naturais de conservação
reservatórios de biodiversidade, a degradação dos solos e a desertificação do
país.(…)
A proposta da ex-AFN prevê, por exemplo,
deferimentos tácitos dos pedidos de autorização sempre que não haja uma
resposta em 30 dias. Numa altura de cortes e reestruturações em todas as
estruturas do Estado, nomeadamente aquelas responsáveis pela emissão destas
autorizações, o Governo propõe permissões automáticas, fazendo tábua rasa do
princípio da precaução, que aconselha o contrário.
A proposta propõe revogar antigos diplomas
reguladores, referindo que existem garantias já dadas em outras figuras legais
em vigor como os Planos Directores Municipais (PDM), os Planos Regionais de
Ordenamento Florestal (PROF), os Planos de Gestão Florestal (PGF) e a Rede
Ecológica Nacional (REN). Estes regimes, esvaziados de poder regulatório
vinculativo, não poderão substituir as poucas restrições que ainda existiam: os
PROF são demasiado vagos, os PGF absolutamente limitados em termos da área que
abrangem, a REN está em processo de levantamento de restrições e os PDM não dão
quaisquer garantias. As deficiências do quadro legislativo em vigor não podem
ser ratadas apagando todas as regras que, embora confusas, ainda garantem
protecção legal contra a expansão desregrada e desordenada das plantações
monoespecíficas intensivas, como o eucalipto e o pinheiro.
A LPN considera que esta proposta é
completamente inaceitável, submetendo os interesses da sociedade aos interesses
de alguns proprietários individuais e das empresas de celulose. Ao contrário do
que se anuncia no preâmbulo, não há na mesma qualquer preocupação em
salvaguardar as já raras formações de floresta nativa, em conservar a paisagem,
em prevenir os fogos florestais nem em contribuir para um ordenamento florestal
correcto.” XXX
Em 2013 o ICNF elaborou um relatório de Adaptação das Florestas às Alterações Climáticas (ICNF, 2013),
enquadrado na Estratégia Nacional de Adaptação às Alterações Climáticas, onde definiu a visão
do sector público para a adaptação da floresta: “Manutenção da capacidade dos
espaços florestais em proporcionar de forma sustentável um conjunto amplo de
bens e serviços, reduzindo a vulnerabilidade das florestas e da sociedade,
reduzido os riscos e aumentando a sua capacidade de adaptação,” que pretende
ver expressa em 3 objetivos estratégicos concretos:
aumentar a
resiliência, reduzir os riscos e manter a capacidade de produção de bens e
serviços;
aumentar e transferir
o conhecimento entre os agentes do sector;
monitorizar e avaliar
os impactos das alterações climáticas
Analisando o documento são referidas as
medidas que o Estado pretende empreender para atingir esses objetivos e, muito sumariamente, destacamos as que se
relacionam diretamente com o âmbito deste ensaio:
promover intervenções
de beneficiação florestal em geral;
proteger e conduzir as
regenerações naturais de arvoredo autóctone;
envolver a
problemática da desertificação nos sistemas de aconselhamento agrícola e florestal
promover, conservar e
gerir adequadamente as outras florestas e os matagais mediterrânicos
estabelecer um
programa específico de arborização com espécies arbóreas e arbustivas
xerofíticas autóctones
promover novas
arborizações de povoamentos mistos de Quercíneas com Pinheiro manso (Pinus
pinea);
salvaguardar,
reabilitar e promover as formações relíquias e os núcleos / exemplares notáveis
da flora lenhosa autóctone.
Ainda, segundo a CBD (Convention on Biological diversity)
os países deverão tomar medidas adequadas para a conservação, uso sustentável
da diversidade e recursos biológicos, pela elaboração de estratégias e planos
de acção contra sujeitos que possam pôr em causa a sua biodiversidade.
Identificamos ainda os principais mecanismos
de financiamento comunitários, o Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento
Rural, em articulação com os apoios disponibilizados pelos outros fundos
comunitários no âmbito do Quadro Estratégico Comum.
O Fundo Florestal Permanente (FFP), que se
destina a promover a gestão florestal sustentável, poderá ser outro mecanismo,
dando o ICNF o exemplo de possível apoio de ensaios de proveniência e de
arboretos que visem melhorar o conhecimento sobre a diversidade genética das espécies
florestais, em particular sobre as características que permitam fazer face às
alterações climáticas.
Este mecanismo é interessante pois as
parcerias estabelecidas à data têm sido essencialmente a nível de divulgação e
de cedência de material vegetal, havendo da parte do sector não lucrativo, em
particular das ONGA’s, uma dificuldade constante em financiar práticas
continuadas e sustentadas financeiramente.
AA A
floresta monocultural de eucalipto em Portugal
Em meados do séc. XIX
o eucalipto é introduzido em Portugal de forma experimental, quer pelo seu
carácter ornamental exótico, quer pela sua resistência às doenças que atacavam
então as espécies autóctones, assim como a sua boa inserção nas condições edafo-climáticas
do país, a facilidade do seu cultivo, a relativa qualidade da sua madeira, a
elevada produtividade primária líquida de biomassa, o seu potencial interesse
no tratamento de doenças paludosas, o seu papel importante na drenagem de
terrenos pantanosos, o seu porte grandioso, e finalmente pelo seu rápido
crescimento.
No início do séc. XX os mercados já tinham
garantido a sua expansão territorial, quer por iniciativa estatal como privada.
Em 1927 a área de eucaliptal e de acácias era de cerca de 8000 hectares sendo a
área florestal global de 2,1 milhões de hectares, em que o sobreiro ocupa cerca
de 40% e o pinheiro bravo cerca de 50%.
Nos anos 70 o eucalipto torna-se a
matéria-prima preferencial para a produção de celulose, por comparação ao
pinho, devido essencialmente à maior densidade da sua madeira, ao seu maior
rendimento no processo transformativo, e ao seu ritmo de crescimento e
substituição.
Apenas nos anos 80 as contestações ao
eucalipto tornaram-se mais frequentes, levando a manifestações ativistas e ao
debate científico e político (Schmidt & Mansinho, 1999). Daí que as
primeiras regulamentações da plantação do eucalipto tenham surgido em 88 e 89,
com uma carácter bastante conservativo e regulamentador da atividade. (DL n.º175/88, de 17 de Maio, e a Portaria
n.º528/89, de 11 de Julho).
Hoje o eucalipto faz parte da nossa paisagem
e tal como uma mancha escura de um verde metálico, monótono, que vai alastrando
e invadindo o reticulado agrícola, as povoações são engolidas e escondem o seu
próprio deserto humano...
Como forma de garantir uma produção
qualificada e um controle sobre o abastecimento de matéria-prima, sem intermediários,
as indústrias de celulose adquiriram, arrendaram e plantaram eucaliptais
em áreas de pinhal ou agrícolas, mas o modelo de cultivo ainda é o de
monocultura florestal e terá de evoluir para um modelo sustentável e
diversificado de gestão, rentável economicamente mas também socialmente
desejável e ecologicamente responsável (Silva, 2007).
A sua implantação foi levando à destruição
progressiva dos resquícios de vegetação mediterrânea que eram deixados entre os
terrenos agrícolas e nas zonas mais declivosas.
Mas, a monoculturização da nossa floresta,
mais que uma questão ecológica e ambiental, constitui-se como uma urgente
questão social. Ao se transformarem os terrenos de cultivo, com produções
bianuais e anuais, em terrenos com rotatividades médias de 9 anos, as
populações têm de ter outra fonte de rendimento e o êxodo rural e a emigração
intensificam-se, criando pressões imensas sobre as cidades, perdendo-se a fonte
de rendimento, os saberes, da nossa agricultura, vinicultura e fruticultura.
Segundo o Arq. Gonçalo Ribeiro Telles (Telles, 2004): “Os
Governos, os responsáveis políticos, os economistas e a mentalidade urbana,
influenciada pelo poder, disseram que a agricultura estava condenada no país,
caso não se transformasse num sector de grandes empresas agro-industriais e de
monoculturas extensivas. Esta política presidiu à florestação, para o
fornecimento das empresas de celulose, tendo o fim trágico a que assistimos
este Verão e que, possivelmente, irá repetir-se se não houver uma mudança de
360 graus do que se pensa que é a agricultura e a ruralidade. As universidades
viram na agricultura, não uma cultura, mas uma economia. O que não quer dizer
que uma cultura não tenha que ter uma base económica. Não pode ser,
exclusivamente, uma economia. Tem que ter uma base cultural. Grande parte da
identidade do país e da sua independência resultam da identidade cultural,
tendo por factor fundamental a agricultura. A agricultura condiciona
totalmente, é a matriz da paisagem total, da paisagem global.A política
florestal está a ser um desastre. Num país mediterrânico a floresta faz parte
do teatro agrícola e o teatro agrícola faz parte do teatro da floresta” (…) “É
provocado pelo modelo económico, que não é um modelo de desenvolvimento.” (…)
“Não tem gente, porque puseram lá uma monocultura. A população não fica lá “a
ver crescer o pau” que ainda por cima não é deles.” (…) “O mais grave é a falta
até de identidade cultural do país.” (…) “Não temos uma sustentabilidade que
nos garanta o futuro, nem que nos garanta a independência. O que é mais grave!
Porque sem cultura, sem identidade cultural não há independência.”
Espero que
estas ideias sejam úteis para formular algo que mude e toque na ferida que
ninguém (quer) ver ou não sabe, ou não quer saber, porque não está dentro
do negócio que isto tudo é...