quinta-feira, 30 de agosto de 2018

ACABAR COM OS FOGOS POSTOS, A DESTRUIÇÃO E A DESERTIFICAÇÃO DE PORTUGAL


Após os acontecimentos dos últimos  anos passado e chegados a um extremo de violência no ano passado,  causada pelo fogo posto em Portugal, urge atuar!

O n.º de fogos postos tem aumentado, assim como o n.º de criminalidade o ano passado aumentou.

Por mais que se limpe o mato, que se gastem milhares no combate, os fogos vão continuar.

Não haja dúvidas que os fogos são de origem criminosa. A maioria dos madeireiros apanhados tinham idades entre os 40 e 50 anos.

Na reportagem da SIC, as empresas madeireiras diziam que antes da onda de fogos havia falta de matéria prima.


Às celuloses é mais barato comprar madeira em Portugal que importar, (sem custos de transporte). E elas precisam de muita matéria prima, veja-se agora o volume de produção e as consequências para o Rio Tejo…

Na zona Centro e Norte do País, onde existem eucaliptais contínuos há várias décadas,  o fogo passa ciclicamente de 7 em 7 anos, a  explicação é esta:

 - A DESVALORIZAÇÃO DO MATERIAL LENHOSO JUNTO DO PROPRIETÁRIO:

  Um madeireiro paga ao  proprietário cerca de 100 Euros por ha se os troncos estiverem queimados e 1 000 Euros\há ou mais, se o material estiver verde.

Depois o madeireiro vai vender o material lenhoso já descascado às celuloses que lhe pagam ao peso (tonelada), o MESMO preço, não fazendo a distinção entre verde ou  "queimado".

Pois efetivamente o eucalipto, como sorvedor de água que é,  consegue após um fogo manter o cerne branco, é só deixar cair as primeiras chuvas para a casca carbonizada sair facilmente. Mesmo um eucalipto jovem! O mesmo não acontece com o pinheiro que se for muito jovem fica todo carbonizado.

 O madeireiro tem então um lucro de 90% se comprar e vender à celulose material queimado.

Para além do lucro bestial, o madeireiro tem o terreno limpo de mato, os troncos não convém que sejam muito espessos para serem  fáceis de desvalorizar junto do proprietário ("não  dá para nada") e até são mais fáceis de retirar  jovens (menos pesados) e já sem folhas e ramos.

Aqui  reside o problema , que  restem  dúvidas, vejam o que se passa ao nível do Pinhal Nacional:


 

 Agora como se resolve?

 

O problema tem de ser resolvido com legislação e atuar na sua origem: o lucro do madeireiro

1 - O primeiro pensamento que nos vem à cabeça é de proibir as  celuloses  e qualquer industria madeireira de comprar troncos de origem em incêndios. No tempo do Estado Novo existia esta lei, que proibia a venda/compra do material lenhoso queimado. E não havia este tipo de incêndios, pois não? É a solução mais radical, mas se calhar terá de ser a única saída se no futuro este problema não se resolver com outro tipo de medidas menos totalitaristas:

2 -  Outra solução é a regulação do preço da madeira ao nível não só da fábrica, mas ao nível do madeireiro.  Estabelecer um preço mínimo à madeira queimada que se aproxime do preço do tronco verde, a regulação do preço de um bem básico, tal como se faz com o pão e a carne, em que o madeireiro tem de pagar ao proprietário o preço justo pela madeira queimada, não a pode desvalorizar, mesmo que haja muita oferta. Esta medida é difícil de implementar, dada a imensidão de proprietários e madeireiros.

3 - Por fim a solução que seria mais fácil de aplicar e controlar era atuar ao nível das celuloses que são poucas em Portugal (face ao n.º de madeireiros):

- Seria obrigar as celuloses a pagar um imposto do Carbono por cada tronco  "queimado" que recebem. Desta forma pagavam ao  madeireiro MUITO BEM pelo tronco verde e MUITO POUCO pela madeira de origem em incêndios, o resto do dinheiro iria para o Estado que investiria em  prevenção, combate e indeminizações.

 Desta forma retirávamos o lucro dos madeireiros e o interesse em pegar fogo deixaria de existir, incentivando a preservação das florestas sem incêndios, uma vez que o material verde seria muito bem pago.

 Para tal teria de haver uma "ASAE da floresta", i. é. uma fiscalização ativa junto de  cada empresa de celulose, de forma verificar se estava a ser  cumprida a taxa de carbono.

É uma medida fácil de aplicar que implicaria um investimento muito baixo (um fiscal por cada celulose, rotativos).Caso tivesse sucesso, esta medida deveria tb aplicar-se a todas as outras indústrias madeireiras.
Vou concretizar num ex. para se perceber melhor a medida:
Uma serração de pinho paga ao madeireiro 50 euros por uma tonelada de pinho, verde ou queimado, desde que esteja bom por dentro.
Convenhamos que é muito pouco,  que é um trabalho mal pago. O trabalho que o madeireiro vai ter para conseguir um tonelada não se justifica se depois tem de pagar muito ao proprietário:
Mais vale deitar fogo e desvalorizo o material junto do proprietário (pensa ele)...
Mas se o material verde fosse antes muito bem pago, por exemplo 90 Euros euros por tonelada de pinho verde e apenas 10 Euros por tonelada se fosse pinho queimado, o madeireiro teria todo o interesse em não queimar a floresta.
Mas agora, pensam vocês: o interesse (em lançar o fogo) passaria então para a Serração!
Não, se a serração tiver de pagar ao estado o que não pagou (40 Euros por tonelada) do material "queimado" que comprou.  


4 - Outra medida paralela à escolha de uma das anteriores, seria obrigar os proprietários que queiram plantar floresta de produção a plantar só metade do seu terreno (qualquer que seja a área de terreno que tenham), a restante poderiam plantar com pomar, agricultura ou pastagem. Assim se conseguiria um descontínuo florestal, de mais fácil controlo do fogo.

Se o proprietário quiser plantar essa área com floresta, apenas  poderia plantar com   carvalho da zona e sobreiro, árvores que são mais resistentes ao fogo e voltam a rebentar após o fogo, não sendo necessário replantar e são economicamente viáveis, ( o carvalho dá boa madeira e o sobreiro cortiça que está extremamente valorizada). Ao contrário dos eucaliptos estas árvores sustentam a vida selvagem (alimento - bolotas) e propagam o fogo mais lentamente (zonas tampão).

 

 

quarta-feira, 28 de junho de 2017


A problemática dos incêndios e a monocultura do eucalipto

 

Houve 2,5 milhões de hectares ardidos entre 1990 e 2012.

 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Figura 5 . Evolução das áreas de floresta, decomposta por tipos de ocupação. (ICNF, 2013).

 

 

 

 

 

 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Figura 7 . Percentagem de área ardida por espécie florestal em 2012, adaptado do Relatório de Áreas Ardidas e Incêndios Florestais em Portugal Continental (ICNF, 2012).

 

 

Note-se que as áreas mais ardidas foram as florestas de produção de eucalipto e pinheiro-bravo, na zona centro e norte do País.

Também é relevante dizer que apenas 5,8% da floresta está sob jurisdição do ICNF (matas nacionais e perímetros florestais) e que a área de floresta integrada no Sistema Nacional de Áreas de Conservação, corresponde a 18,7% da floresta de Portugal continental.” (ICNF, 2013).

As áreas florestais tiveram uma  diminuição  de  4,6%, 150 611 ha perdidos no espaço de 15 anos, refletidos no aumento de áreas de mato e pastagens -  85% e uso urbano. Esta alteração de uso pode ter ocorrido na sequência da incidência grave de fogos florestais, mais de 2,5 milhões de hectares ardidos entre 1990 e 2012, e “ocorrência de doenças como o Nemátodo da Madeira do Pinheiro que tem afetado severamente o pinhalbravo nacional, obrigando à realização de cortes excecionais, por imposição dos regulamentos fitossanitários. Nenhum outro país da Europa esteve sujeito a este nível de perturbações(ICNF, 2013, pp8).

 

Os incêndios são um dos graves problemas da monocultura de eucalipto, tendo repercussões ambientais, sociais e económicas muito graves. Segundo Damasceno e Silva (2007), existem 630 causas diferentes para os incêndios, que se agrupam da seguinte forma:

 

uso do fogo (queimas, renovação de pastagens, etc.),

acidentais,

estruturais (mudança do uso do solo, etc.),

incendiarismo (piromania, conflitos entre vizinhos, , etc.),

naturais (raios) e

indeterminadas.

 

Nas causas estruturais encontra-se identificada a “pressão para venda de material lenhoso – Incêndio provocado com o objetivo da desvalorização do material lenhoso ou falta de matéria-prima” (Damasceno e Silva (2007), pp.50).

O eucalipto depois de incendiado, mantém o cerne branco, adequado ainda para o fabrico de pasta de papel, uma vez que é muito rico em água. O madeireiro adquire esta matéria-prima por um preço menor no produtor, e consegue vendê-la às celuloses pelo preço de matéra verde, isto porque as celuloses pagam ao peso pelos  troncos já descascados e não atendem à sua origem.

 

Assim, os madeireiros pagam ao proprietário por um eucaliptal ardido com 7 anos cerca de 100 Euros/ha. Se fosse verde teriam de pagar 2000/ha.

As celuloses pagam ao madeireiro o mesmo pela madeira descascada, seja qual for a sua origem (verde ou queimada), o lucro é então enorme. Compensa. Para além disso, com o subcoberto ardido, é muito mais fácil de tirar os troncos, que também estão mais leves sem a parte aérea (folhas) e convém que não sejam muito pesados: um tronco com 20 cms de diâmetro está preto por fora mas branco por dentro e já dá para a celulose.

 

Este mistério dos incêndios sem causa aparente e que deflagram antes da trovoada,  torna-se então bastante claro.

Conseguimos rapidamente perceber porque é que os incêndios na mesma zona de floresta de produção são cíclicos, de 7 em 7 anos, bem planeados e com várias frentes, em que vai tudo, por vezes casas e pessoas...

 

E o eucalipto é a única espécies que dá para isso, porque consegue mesmo juvenil e queimado apresentar o cerne branco e ser vendido para a celulose (dado o seu elevado consumo/capacidade de retenção de água).

 

Em Espanha no período entre 1998 e 2003 as causas apuradas para os incêndios florestais foram:

 


Figura 8 . Causas dos incêndios entre 1998 e 2003 em Espanha, adaptado de APAS (2004)

 

 

Para Portugal  a grande fatia das causas são “indeterminadas”…nestes relatórios nunca se lê a  “desvalorização do material lenhoso” (?):

 


 

Fonte (ANPC, 2012).

 

 

 

 

O valor médio registado da área florestal ardida foi de 35% em Portugal no período 2000-2009 sendo para outros países do Sul da Europa como a Espanha (com 29%), a Itália (19%), a Grécia (11%) e a França (5%) valores inferiores (BES/ESR, 2011) e relacionemos estes valores com a área/desenvolvimento agrícola destes países.

 

Foram gastos pela Proteção Civil portuguesa em 2012 cerca de 74,2 M€ no combate direto aos incêndios florestais, mais 10,3% do que o valor gasto em 2011 (ANPC, 2012).

 

 

 

E após um incêndio os proprietários tornam a plantar o eucaliptal, sempre à espera do tal lucro “prometido” (qual euro-milhões), mas quando os eucaliptos começam a parecer gente,  passa novamente o fogo, e …mais prejuízo…e insistem no erro, até que um dia percebem, desistem e abandonam o terreno de vez.

 

Ultimamente  diz-se que ardem mais matos que floresta de produção, pois, mas esquecem-se que a floresta (“povoamentos” já ardeu….tendo sido o seu expoente máximo em 2003 e 2005:

 


 

A gestão ineficaz ou inexistente das parcelas florestais leva à proliferação mais fácil dos fogos florestais, o que origina uma menor diversidade florística e faunística, a deterioração dos solos por arrastamento, a deslocação ou perda de comunidades animais e vegetais, que se reflete numa grave recessão biótica.

 

O alastramento da mancha de eucalipto traz então consequências a vários níveis, já não falemos da perda de fertilidade do solo, não só devido às espécie australiana altamente competitiva e melhorada pelo homem, mas tb devido às praticas culturais do eucalipto que implicam a erosão acelerada do solo, falemos tb do abandono agrícola, e da substituição dos terrenos agrícolas por floresta monocultural, e o seu alastramento para o vale onde os terrenos são mais férteis, a perda da biodiversidade, e o impactos sociais, como o êxodo rural para as cidades/emigração e a perda dos saberes agrícolas e transmissão de conhecimentos de Pai para Filho, do “know how” e de toda a cultura, tradição e modo de vida associados.

 

No entanto, a perda de biodiversidade gradual e as emissões de gases de efeito de estufa (GEE) para a atmosfera, contribuindo para o aquecimento global, são as duas principais consequências ambientais dos fogos cíclicos.

 

Mas qual a solução?

 

Tal como as leis desde 88 que começaram mansamente e cada vez foram mais permissivas e coerentes com as direções da União Europeia (principal fonte de subsídios), até se poder eucaliptalizar a RAN, a REN e parcelas inferiores a 2ha, sem autorização, penso que uma solução para toda esta problemática passa também pelas leis, mas por leis com fiscalização, deixo a ideia:

 

- As indústrias de celuloses deverão pagar uma taxa ao estado pela pégada de carbono/ecológica da madeira que recebem com origem nos incêndios.

 

Para tal terão de receber os troncos com casca, de forma a saber a sua proveniência (verde ou queimada). Terão então de pagar ao madeireiro muito menos pelos troncos ardidos relativamente ao “verdes”, de forma a não dar lucro vender madeira queimada. Ao estado pagariam o restante pelos troncos queimados que recebem, que por sua vez investiria em apoios à prevenção e ao combate.

 

A outra lei é obrigar à descontinuidade florestal, ao ordenamento e  à proteção de zonas agrícolas, ecológicas, de vale tal como as primeiras leis que surgiram, nomeadamente a  Portaria n.º 528/89, de 11 de Julho. Mas como estas leis de ordenamento são complicadas e difíceis de aplicar, defenderia uma que:

 

- obrigue todos os proprietários a poderem plantar apenas metade da sua propriedade (qualquer que seja a sua área) com eucalipto/pinheiro, e o resto com pastagem, agricultura, ou floresta de proteção (sobreiro, carvalho, castanheiro, etc).

 

Estas são as grandes ideias que gostaria de transmitir, que os incêndios em Portugal são postos e com objetivos muito específicos e se não se fizer nada o ciclo dos 7 anos vai continuar, por mais que se limpem os matos e que se fação leis de prevenção e melhore o combate. O problema tem de ser atacado na raíz: não pode haver lucro nos incêndios. Só assim os incêndios em Portugal poderiam ser reduzidos às causas “conhecidas” : negligência, vingança, loucura, etc.

 

 

Enquadramento legislativo

 

As primeiras leis que surgiram para tentar ordenar e regulamentar as plantações de eucalipto, apresentavam um carácter bastante conservativo, uma vez que se assistia a uma mudança muito acelarada no uso do solo e as populações, juntamente com os movimentos associativos, tiveram atitudes adversas e ativistas.

O DL n.º 175/88, de 17 de Maio, foi a primeira lei que surgiu para regular as plantações de eucalipto. Obrigava a que os projetos com mais de 350 ha fossem precedidos de um Estudo de Impacte Ambiental, e de um parecer da Câmara Municipal respetiva. Todos os projetos com mais de 50 ha eram sujeitos à aprovação prévia da Direção-Geral de Florestas, e impedia a ocupação de zonas de montado e a introdução, pé a pé, sob coberto, de povoamentos de outras espécies.

Tal como referimos anteriormente, nesta altura assistia-se à substituição do pinhal bravo pelo eucalipto mas também áreas de sobreiro e de carvalho português na zona de Coimbra (floresta autóctone).

A segunda portaria que regulou a plantação monocultural de eucalipto é ainda mais conservativa. Assim, a Portaria n.º 528/89, de 11 de Julho, elenca todos os condicionalismos à plantação de eucaliptos em áreas de montado, zonas percorridas por incêndios, na RAN e REN, perto de solos cultivados, nascentes, linhas de água e prédios urbanos e em terrenos declivosos.

Fixa também medidas de proteção, como a manutenção de corredores ecológicos, de faixas de árvores folhosas (mais resistentes ao fogo e com poder regenerador) e de núcleos de espécies “tradicionais”.

A questão da sustentabilidade no uso da floresta são preocupações expressas na legislação subsequente. A floresta sustentável é aquela cuja exploração se faz sem comprometer as suas funções ecológicas, económicas e sociais atuais e no futuro. Como é que isto se consegue? Foram criados três instrumentos legais com linhas de ação neste sentido:

  • A Lei de Bases de Política Florestal (Lei n.º 33/96, de 17 de Agosto) traçou as diretrizes da gestão da floresta em Portugal. Previa a elaboração de planos regionais de ordenamento florestal (PROF).
  • O Plano de Desenvolvimento Sustentável da Floresta Portuguesa (R. C. Ministros n.º 27/99, de 18 de Março), que faz um diagnóstico e estabelece metas estratégicas.
  • O Plano de Ação para o setor florestal (R. C. Ministros n.º 64 de 2003, de 30 de Abril), que pretende por em prática o plano (2), reconhecendo os atrasos de impelmentação e calanderizando novas ações.
     
    Embora as primeiras leis fossem conservativas, com a crescente plantação de eucaliptos, as orientações europeias e a subsidiação da actividade, e a importância económica crescente desta monocultura, a legislação adequou-se. Com o DL nº 73/2009, de 31 de Março, que instituiu um novo Regime Jurídico da Reserva Agrícola Nacional (RAN), que contraria claramente a anterior Portaria n.º 235/75, de 7 de Abril, quer em objetivos quer normativamente, a atividade florestal passa a ser considerada atividade agrícola, não carecendo, assim, de parecer prévio da Entidade Regional da Reserva Agrícola de Lisboa e Vale do Tejo, entendimento expresso em vários artigos, tais como:

  • no seu preâmbulo, no parágrafo 7°: "face ao carácter não destrutivo, nem irreversível do uso florestal dos solos e considerando as orientações da União Europeia em torno do conceito de florestação das terras agrícolas, o ( ..) decreto-lei considera a atividade florestal como integrante da atividade agrícola.”;
  • na própria definição de atividade agrícola presente na alínea a) do art. 3º, que considera "Atividade agrícola” a atividade económica do sector primário que tem por fim a produção de bens de origem vegetal, lenhosa ou não lenhosa, ou animal utilizáveis como matérias-primas de diversas indústrias ou que chegam ao consumidor sem qualquer transformação.”;
  • finalmente, no art. 49º, alinea b), que vem revogar as alineas b) e d) do artigo 1.º da Portaria n.º 528/89, de 11 de Julho, isto é, entre outros, a interdição de plantação em RAN de espécies florestais de crescimento rápido.

 

O parecer de um parceiro importante, a Confederação Nacional da Agricultura (CNA, 2009) sobre o novo regime jurídico da RAN refere que: “Sendo verdade que as Explorações Agro-Florestais de tipo familiar e a Floresta de uso múltiplo se integram no conceito – e garantem uma prática com sustentabilidade geral - a alteração da definição de “actividade agrícola”, vinda de quem vem e no contexto em que surge, tende para abrir as portas da RAN à produção florestal intensiva, como é o caso do eucalipto e que, comprovadamente e ao contrário do que diz o preâmbulo, degradam os solos, podendo afectar irreversivelmente o seu uso. Aliás, esta é uma velha reivindicação das celuloses para a qual o Ministro da Agricultura já tinha manifestado a sua abertura e que deverá servir como moeda de troca aos grandes investimentos efectuados por estas empresas (apesar de já terem beneficiado de fortes financiamentos públicos), como foi o caso da nova unidade industrial da PORTUCEL, em Setúbal, e que foi anunciado na altura como o segundo maior investimento a seguir à Autoeuropa.

Aliás, tudo se conjuga, até no referido no próprio Artigo 5º do diploma em questão, quando diz que a RAN se articula com o quadro estratégico e normativo estabelecido pelo ProDeR, PNPOT e, como não poderia deixar de ser, com a Estratégia Nacional para as Florestas, publicada em Setembro de 2006.

Ora, este “grande” documento que é a Estratégia Nacional para as Florestas, o que veio definir foi o caminho da especialização do território em duas grandes áreas:- a da floresta multifuncional ou floresta de uso múltiplo e a da floresta intensiva, estabelecendo que as áreas de floresta intensiva (eucalipto e pinheiro), no futuro, serão as áreas de menor risco de desertificação ou, por outras palavras, de produtividade superior, logo, mais “lucrativas” que as áreas de RAN. Porém, e tal como a experiência já comprova, o efeito sócio-económico será exactamente o contrário.

A produção florestal industrial e intensiva “expulsa” outras actividades agro-florestais, logo contribui para “expulsar” as populações! No limite, passa-se a poder colocar eucaliptos nas terras onde se fizeram, ou onde se estão a fazer investimentos públicos em regadio, apenas faltando, para completar o cenário perfeito, que estas espécies sejam elegíveis para receber ajudas do Regime de Pagamento Único – RPU, uma vez que já são consideradas actividade agrícola. (...)

Na opinião da CNA, trata-se, tão somente, do aproveitamento da ruína da agricultura nacional para abrir as portas deste recurso escasso, que é a RAN, às celuloses e a certas actividades turísticas de luxo, para que, assim, meia dúzia de grandes empresas tenha lucros (especulativos) à custa da degradação deste património natural e da obtenção de matéria-prima a baixo custo.

A CNA considera que a RAN, enquanto recurso de todos os Portugueses e que compreende todos os solos com aptidão agrícola, deverá continuar a ser reservada e a estar disponível, como o próprio nome indica, com toda a prioridade para a actividade agrícola na verdadeira acepção da palavra, pois só assim entendemos estar a ser potenciado o seu uso sócio-económico e, ao mesmo tempo, a sua sustentabilidade ambiental e social.” (…)

A CNA considera, ainda, que este diploma está desfasado da crise ambiental que atravessamos, nomeadamente no que diz respeito às alterações climáticas, crise que deverá conduzir a uma aceleração da degradação/erosão dos solos, motivada por secas prolongadas e concentração do período das chuvas.

A CNA considera igualmente, que a crise alimentar mundial que teve o seu pico em 2008, em resultado principalmente da especulação dos preços sobre os produtos alimentares, deveria conduzir a outras medidas que não fossem a de ocupar os solos agrícolas com produções florestais intensivas, sobretudo num país com um défice agro-alimentar de cerca de 75%.”

Apresentamos este parecer pois as questões levantadas pela Confederação Nacional da Agricultura extravasam bastante os valores meramente económicos, reforçando os ambientais e os sociais.

Finalmente, o novo regime jurídico aplicável às ações de arborização e rearborização foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 96/2013, de 19 de Julho. Determina a aplicação do mecanismo de comunicação prévia até 2 hectares de área a plantar, situação que se aplica à maior parte das propriedades a norte do rio Tejo, considerando alguns grupos de ONGA’s e de produtores florestais que fica facilitada a plantação de eucaliptos, com o aumento das monoculturas, e, ao invés, torna-se mais complicada a plantação de sobreiros, carvalhos, cerejeiras, freixos e outras árvores autóctones com elevado valor, as quais agora vão necessitar de comunicação prévia e, nas áreas acima dos 2 hectares, necessitam de autorização.

Segundo o comunicado à imprensa de outro parceiro importante, a Liga para a Proteção da Natureza (LPN, 2012) o novo regime jurídico veio facilitar todo o processo de plantações de eucalipto, mesmo em solos de Rede Ecológica Nacional (REN): “A recente proposta (...) de alteração da legislação sobre Arborização e Rearborização abre a porta à liberalização das plantações de eucalipto (…). Sob a égide da simplificação dos processos de autorização e da eliminação de redundâncias legais e institucionais, a proposta da ex-AFN, inédita em qualquer país civilizado, propõe a desregulação e desordenamento da actividade florestal. Os impactes irreversíveis da implementação de tal legislação não são tidos em conta, nomeadamente alguns já observáveis que contribuíram para os piores índices de fogos florestais da Europa, a perda de áreas naturais de conservação reservatórios de biodiversidade, a degradação dos solos e a desertificação do país.(…)

A proposta da ex-AFN prevê, por exemplo, deferimentos tácitos dos pedidos de autorização sempre que não haja uma resposta em 30 dias. Numa altura de cortes e reestruturações em todas as estruturas do Estado, nomeadamente aquelas responsáveis pela emissão destas autorizações, o Governo propõe permissões automáticas, fazendo tábua rasa do princípio da precaução, que aconselha o contrário.

A proposta propõe revogar antigos diplomas reguladores, referindo que existem garantias já dadas em outras figuras legais em vigor como os Planos Directores Municipais (PDM), os Planos Regionais de Ordenamento Florestal (PROF), os Planos de Gestão Florestal (PGF) e a Rede Ecológica Nacional (REN). Estes regimes, esvaziados de poder regulatório vinculativo, não poderão substituir as poucas restrições que ainda existiam: os PROF são demasiado vagos, os PGF absolutamente limitados em termos da área que abrangem, a REN está em processo de levantamento de restrições e os PDM não dão quaisquer garantias. As deficiências do quadro legislativo em vigor não podem ser ratadas apagando todas as regras que, embora confusas, ainda garantem protecção legal contra a expansão desregrada e desordenada das plantações monoespecíficas intensivas, como o eucalipto e o pinheiro.

A LPN considera que esta proposta é completamente inaceitável, submetendo os interesses da sociedade aos interesses de alguns proprietários individuais e das empresas de celulose. Ao contrário do que se anuncia no preâmbulo, não há na mesma qualquer preocupação em salvaguardar as já raras formações de floresta nativa, em conservar a paisagem, em prevenir os fogos florestais nem em contribuir para um ordenamento florestal correcto.” XXX

Em 2013 o ICNF elaborou um relatório de Adaptação das Florestas às Alterações Climáticas (ICNF, 2013), enquadrado na Estratégia Nacional de Adaptação às Alterações Climáticas, onde definiu a visão do sector público para a adaptação da floresta: “Manutenção da capacidade dos espaços florestais em proporcionar de forma sustentável um conjunto amplo de bens e serviços, reduzindo a vulnerabilidade das florestas e da sociedade, reduzido os riscos e aumentando a sua capacidade de adaptação,” que pretende ver expressa em 3 objetivos estratégicos concretos: 

  • aumentar a resiliência, reduzir os riscos e manter a capacidade de produção de bens e serviços;
  • aumentar e transferir o conhecimento entre os agentes do sector;
  • monitorizar e avaliar os impactos das alterações climáticas

 

Analisando o documento são referidas as medidas que o Estado pretende empreender para atingir esses objetivos e, muito sumariamente, destacamos as que se relacionam diretamente com o âmbito deste ensaio:

  • promover intervenções de beneficiação florestal em geral;
  • proteger e conduzir as regenerações naturais de arvoredo autóctone;
  • envolver a problemática da desertificação nos sistemas de aconselhamento agrícola e florestal
  • promover, conservar e gerir adequadamente as outras florestas e os matagais mediterrânicos
  • estabelecer um programa específico de arborização com espécies arbóreas e arbustivas xerofíticas autóctones
  • promover novas arborizações de povoamentos mistos de Quercíneas com Pinheiro manso (Pinus pinea);
  • salvaguardar, reabilitar e promover as formações relíquias e os núcleos / exemplares notáveis da flora lenhosa autóctone.

 

Ainda, segundo a CBD (Convention on Biological diversity) os países deverão tomar medidas adequadas para a conservação, uso sustentável da diversidade e recursos biológicos, pela elaboração de estratégias e planos de acção contra sujeitos que possam pôr em causa a sua biodiversidade.

Identificamos ainda os principais mecanismos de financiamento comunitários, o Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural, em articulação com os apoios disponibilizados pelos outros fundos comunitários no âmbito do Quadro Estratégico Comum.

O Fundo Florestal Permanente (FFP), que se destina a promover a gestão florestal sustentável, poderá ser outro mecanismo, dando o ICNF o exemplo de possível apoio de ensaios de proveniência e de arboretos que visem melhorar o conhecimento sobre a diversidade genética das espécies florestais, em particular sobre as características que permitam fazer face às alterações climáticas.

Este mecanismo é interessante pois as parcerias estabelecidas à data têm sido essencialmente a nível de divulgação e de cedência de material vegetal, havendo da parte do sector não lucrativo, em particular das ONGA’s, uma dificuldade constante em financiar práticas continuadas e sustentadas financeiramente.

 

AA A floresta monocultural de eucalipto em Portugal

 

Em meados do séc. XIX o eucalipto é introduzido em Portugal de forma experimental, quer pelo seu carácter ornamental exótico, quer pela sua resistência às doenças que atacavam então as espécies autóctones, assim como a sua boa inserção nas condições edafo-climáticas do país, a facilidade do seu cultivo, a relativa qualidade da sua madeira, a elevada produtividade primária líquida de biomassa, o seu potencial interesse no tratamento de doenças paludosas, o seu papel importante na drenagem de terrenos pantanosos, o seu porte grandioso, e finalmente pelo seu rápido crescimento.

No início do séc. XX os mercados já tinham garantido a sua expansão territorial, quer por iniciativa estatal como privada. Em 1927 a área de eucaliptal e de acácias era de cerca de 8000 hectares sendo a área florestal global de 2,1 milhões de hectares, em que o sobreiro ocupa cerca de 40% e o pinheiro bravo cerca de 50%.

Nos anos 70 o eucalipto torna-se a matéria-prima preferencial para a produção de celulose, por comparação ao pinho, devido essencialmente à maior densidade da sua madeira, ao seu maior rendimento no processo transformativo, e ao seu ritmo de crescimento e substituição.

Apenas nos anos 80 as contestações ao eucalipto tornaram-se mais frequentes, levando a manifestações ativistas e ao debate científico e político (Schmidt & Mansinho, 1999). Daí que as primeiras regulamentações da plantação do eucalipto tenham surgido em 88 e 89, com uma carácter bastante conservativo e regulamentador da atividade. (DL n.º175/88, de 17 de Maio, e a Portaria  n.º528/89, de 11 de Julho).

 

Hoje o eucalipto faz parte da nossa paisagem e tal como uma mancha escura de um verde metálico, monótono, que vai alastrando e invadindo o reticulado agrícola, as povoações são engolidas e escondem o seu próprio deserto humano...

 

Como forma de garantir uma produção qualificada e um controle sobre o abastecimento de matéria-prima, sem intermediários,  as indústrias de celulose adquiriram, arrendaram e plantaram eucaliptais em áreas de pinhal ou agrícolas, mas o modelo de cultivo ainda é o de monocultura florestal e terá de evoluir para um modelo sustentável e diversificado de gestão, rentável economicamente mas também socialmente desejável e ecologicamente responsável (Silva, 2007).

A sua implantação foi levando à destruição progressiva dos resquícios de vegetação mediterrânea que eram deixados entre os terrenos agrícolas e nas zonas mais declivosas.

Mas, a monoculturização da nossa floresta, mais que uma questão ecológica e ambiental, constitui-se como uma urgente questão social. Ao se transformarem os terrenos de cultivo, com produções bianuais e anuais, em terrenos com rotatividades médias de 9 anos, as populações têm de ter outra fonte de rendimento e o êxodo rural e a emigração intensificam-se, criando pressões imensas sobre as cidades, perdendo-se a fonte de rendimento, os saberes, da nossa agricultura, vinicultura e fruticultura.

Segundo o Arq. Gonçalo Ribeiro Telles (Telles, 2004): “Os Governos, os responsáveis políticos, os economistas e a mentalidade urbana, influenciada pelo poder, disseram que a agricultura estava condenada no país, caso não se transformasse num sector de grandes empresas agro-industriais e de monoculturas extensivas. Esta política presidiu à florestação, para o fornecimento das empresas de celulose, tendo o fim trágico a que assistimos este Verão e que, possivelmente, irá repetir-se se não houver uma mudança de 360 graus do que se pensa que é a agricultura e a ruralidade. As universidades viram na agricultura, não uma cultura, mas uma economia. O que não quer dizer que uma cultura não tenha que ter uma base económica. Não pode ser, exclusivamente, uma economia. Tem que ter uma base cultural. Grande parte da identidade do país e da sua independência resultam da identidade cultural, tendo por factor fundamental a agricultura. A agricultura condiciona totalmente, é a matriz da paisagem total, da paisagem global.A política florestal está a ser um desastre. Num país mediterrânico a floresta faz parte do teatro agrícola e o teatro agrícola faz parte do teatro da floresta” (…) “É provocado pelo modelo económico, que não é um modelo de desenvolvimento.” (…) “Não tem gente, porque puseram lá uma monocultura. A população não fica lá “a ver crescer o pau” que ainda por cima não é deles.” (…) “O mais grave é a falta até de identidade cultural do país.” (…) “Não temos uma sustentabilidade que nos garanta o futuro, nem que nos garanta a independência. O que é mais grave! Porque sem cultura, sem identidade cultural não há independência.”

 

 

 

Espero que estas ideias sejam úteis para formular algo que mude e toque na ferida que ninguém (quer) ver ou não sabe, ou não quer saber,  porque não está dentro do negócio que isto tudo é...